O físico
alemão Hans Joachim Schellnhuber acredita que o acordo internacional do
clima, previsto para ser fechado em Paris, em 2015,
será uma plataforma que pode conter ações individuais de países, de grupos de
países e até de empresas. "Se for um bom acordo, abrigará muitas
iniciativas", diz ele, que chefia o comitê científico que assessora o
governo da premiê alemã Angela Merkel e é também conselheiro de José
Manuel Barroso, presidente da União Europeia.
A
entrevista é de Daniela Chiaretti e publicada pelo jornal Valor,
18-11-2013.
Fundador
e diretor do renomado Potsdam Institute for Climate
Impact Research (PIK, na sigla em alemão),Schellnhuber diz que até Merkel aceita a ideia de que o acordo climático
tem de ter um enfoque de emissões iguais per capita. "Todas as pessoas no
planeta têm o mesmo direito de usar a atmosfera" com suas emissões, admite
ele.
O problema é que não há mais
muito "espaço" na atmosfera para emissões de gases-estufa, se se quiser
manter o aquecimento da Terra em 2ºC até 2100. Este "espaço" na
atmosfera já teria sido muito ocupado pelas emissões de gases-estufa dos países
ricos e, mais recentemente, dos países emergentes.
O cientista alemão concorda com
a ideia das responsabilidades históricas, defendida pelo Brasil, mas acha
injusto recuar até a Revolução Industrial e pretender que os países ricos não
emitam mais para dar vez ao mundo em desenvolvimento. A seguir trechos da
entrevista que ele concedeu por telefone, de seu escritório em Potsdam.
Eis
a entrevista.
O
que acontece se nada acontecer, isto é, se não houver avanços na proteção do
clima?
Esta não
pode ser uma opção. Basta ver o que está acontecendo nas Filipinas e em todos os lugares. A natureza não
nos dará outra chance. Se não conseguirmos um acordo climático com algum
conteúdo, os cálculos que fizemos indicam que estamos rumando par um aumento de
4°C na temperatura até o final deste século. Nas regiões tropicais, que serão
muito impactadas, isso significa que uma onda de calor que nas condições
climáticas atuais ocorre uma vez a cada um milhão de anos, poderia, perto de
2100, acontecer a cada dois anos.
Que
tipo de acordo podemos ter em 2015?
A
conferência de Lima, em 2014,
será muito mais importante que a de Varsóvia. Ali
devemos ter um texto para discutir. Em Paris, a minha
expectativa é que tenhamos pedaços de um acordo. Não será talvez algo que irá
limitar o aquecimento global a 2°C, mas uma moldura para todos os tipos de
ação, de países individualmente, de grupos de países, de empresas, etc. Se for
um bom acordo abrigará muitas iniciativas.
Poderá
haver consenso?
Provavelmente
será uma plataforma, não um acordo, em Paris. Em um
acordo todos têm de concordar por consenso, então sempre se chega ao menor
denominador comum. Talvez seja melhor ter um acordo não por consenso, mas por
maioria simples. Aí se poderia avançar.
O
conflito é sobre como dividir o espaço de carbono que sobra na atmosfera. Os
chineses apoiam a ideia das emissões per capita. O Brasil quer a responsabilidade
histórica. Como o sr. vê esse assunto?
Como
conselheiros do governo alemão, fizemos um estudo sobre o conceito do orçamento
de carbono [é a ideia de quanto cabe ainda de gases-estufa na atmosfera para se
manter o aquecimento em 2°C até 2100]. Em princípio, atéAngela Merkel apoia que temos de ter algum tipo de
enfoque de emissões iguais per capita. Todas as pessoas neste planeta têm o
mesmo direito de usar a atmosfera, equidade é um conceito importante. O
problema é que o espaço de carbono que resta na atmosfera não é muito grande.
Se formos incluir todas as emissões históricas, desde a Revolução Industrial,
países como EUA, Reino Unido e Alemanha não podem mais emitir. Acho que temos
de ter um enfoque de emissões iguais per capita, mas começando em 1990. Foi
quando o primeiro relatório do IPCCfoi
publicado e a ciência deixou claro que havia um problema.
Se
alguém construiu uma ferrovia em 1800 na Inglaterra, não dá para culpá-lo pelo
CO2 que emitiu porque ninguém sabia disso na época. Acho que devemos ter o
enfoque que o Brasil propõe, mas os países industrializados
deveriam ter a chance de ter um pequeno espaço na atmosfera para emitir. Acho
que esse é o caminho para avançarmos. Equidade é importante em qualquer acordo.
Se as pessoas acham que um acordo não é justo, não vão aceitá-lo nunca.
O
que esperar desta conferência na Polônia?
Cada
país é diferente, com interesses diferentes. Na União
Europeia temos 28
países com geografia, indústria e recursos diferentes. A Polônia está numa
posição difícil. Apoia as ambições europeias de proteção do clima e em favor de
energias renováveis, mas, por outro lado, 95% da sua geração de energia vem do
carvão. Os poloneses acham que, para crescer, vão depender por muitas décadas
dos combustíveis fósseis.
Para
os outros países europeus a história é outra?
Muitos
países europeus acreditam que o futuro das nossas economias, no longo prazo,
está baseado num mix diferente de energias e que o carvão não terá futuro.
Quando se é o país-anfitrião dessas conferências, deve-se facilitar avanços nas
negociações. A Polônia está num dilema: tem que obter algum
progresso na reunião, mas sem ferir os seus interesses.
A
UE está debatendo o seu plano de clima e energia para 2030. O bloco pode ajudar
a Polônia a ter mais energia renovável?
Essa é
uma questão interessante. Na Alemanha estamos formando o novo governo neste
momento e estão em discussão metas mais ambiciosas para energia renovável. O
problema, na Europa, é que no longo prazo não temos mais muitos recursos
naturais. Não há muito mais petróleo no Mar do Norte, nem temos gás como os EUA ou aChina. Temos de nos mexer em dois pilares: energia
renovável e alta eficiência de geração e consumo. Temos de usar menos energia
primária por unidade de PIB. A Europa não tem alternativa a não ser a economia
de baixo carbono. Não só em função da proteção do clima, mas também pela sua
própria sustentabilidade.
A Polônia espera ajuda de dentro do bloco, não
só financeira, mas também tecnológica, uma demanda justa porque inovação é
chave nessa equação. Mas, como em um casamento, os poloneses têm que aceitar
que não podem ter só benefícios. Têm que se abrir para a energia renovável.
A
Polônia tem potencial?
Sim. Tem vento, biomassa, pode
ter energia solar no sul. Muitos empregos podem ser criados na nova indústria.
Mas a opinião pública polonesa só ficará convencida disso se perceber
oportunidades econômicas.